terça-feira, 22 de novembro de 2022

Como o Nobel nobilita

 No passado dia 16 passaram 100 anos desde o nascimento do escritor José Saramago (que faleceu em 2010).

Todas as instituições da cultura (como Escolas, Bibliotecas e Universidades) assinalaram de alguma maneira o facto. Algumas houve que durante todo o ano assinalaram o Centenário de José Saramago. Houve lançamentos de livros, exposições, conferências e muitas leituras, estas feitas por pessoas que, pelo seu gosto literário ou forma de escrever, se intitulam "saramaguianos".

Haverá quem se interrogue? Mas, porque mereceu este escritor uma atenção tão grande depois da sua morte, mas ainda relativamente perto da sua vida?

José Saramago recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1998! 

Talvez seja importante esclarecer o que é o prémio Nobel: É um prémio instituído pelo sueco Alfred Nobel, no seu testamento, conhecido na data da sua morte em 1896.

Alfred Nobel era riquíssimo, devidos aos seus investimentos e às suas descobertas e invenções, a mais conhecidas das quais é a dinamite.

Foi criada uma Fundação para administrar a fortuna, alimentando o seu crescimento que permite a concessão dos prémios Nobel (nas categorias de Química, Literatura, Paz, Física, Medicina e Economia) desde 1901. Cada um dos escolhidos recebe uma medalha de ouro, um diploma e um valor em dinheiro, que não é fixo, mas cujo valor excede o milhão de dólares. O prémio é concedido a um cientista ou autor vivo e refere-se a uma descoberta específica ou ao conjunto do seu trabalho. As cerimónias são seguidas em todo o mundo com muito interesse e a atribuição do prémio Nobel torna-se numa distinção importantíssima, não só para o distinguido, como para o país de origem (e em certos casos para o país de acolhimento) dessa personalidade.

Assim, a atribuição do prémio Nobel da Literatura a José Saramago em 1998 tornou-se num marco para o escritor, para Portugal (onde nasceu e viveu a maior parte da sua vida) e para Espanha, país de origem da sua esposa, Pilar del Rio, e no qual viveu até à sua morte.

Num país de escritores e poetas como é Portugal, Saramago é o único que até agora recebeu o Prémio Nobel da Literatura, o que o torna Maior, Nobre entre os escritores de todos os países e entre todos os portugueses.

De origens humildes, natural de uma pequena aldeia do Ribatejo, Saramago teve de crescer intelectualmente sozinho e só já tarde na vida se tornou escritor. Mas deixou-nos uma vasta obra que compreende romances, ensaios, poemas, crónicas, diários e peças de teatro. A sua obra tem inspirado muitas outras artes como dança, ópera, cinema e teatro, entre outras.

Foi criada uma Fundação José Saramago (em 2007), entre Portugal e Espanha, com espaços visitáveis em ambos os países, que é neste momento dirigida pela viúva de Saramago: Pilar del Rio.

A obra mais conhecida do escritor, que tem sido leitura obrigatória nas escolas portuguesas é O Memorial do Convento, um romance publicado em 1982, que se reporta à construção do Convento de Mafra no séc. XVIII. Recorde-se que este monumento foi declarado pela UNESCO Património da Humanidade em 2019.

Homenagear um escritor sem ler algumas das suas palavras, será sempre uma homenagem incompleta e injusta.

Convidando-vos a frazer uma pesquisa sobre a sua obra, aqui fica então um extrato de As Pequenas Memórias, um livro simples, em estilo autobiográfico, que nos remete para uma memória do escritor quando era ainda, apenas, uma criança:

"Contei noutro lugar como e porquê me chamo Saramago. Que esse Saramago não era um apelido do lado paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Que indo o meu pai a declarar no Registo Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o funcionário (chamava-se le Silvino) estava bêbado (por despeito, disso o acusaria sempre meu pai), e que, sob os efeitos do álcool e sem que ninguém se tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu, por sua conta e risco, acrescentar Saramago ao lacónico José de Sousa que meu pai pretendia que eu fosse. E que, desta maneira, graças a uma intervenção por todas as mostras divina, refiro-me, claro está, a Baco, deus do vinho e daqueles que se excedem a bebê-lo, não precisei de inventar um pseudónimo para, futuro havendo, assinar os meus livros. Sorte, grande sorte minha, foi nõ ter nascido em qualquer das famílias da Azinhaga que, naquele tempo e por muitos anos mais, tiveram de arrastar as obscenas alcunhas de Pichatada, Curroto ou Caralhana. Entrei na vida marcado com este apelido de Saramagosem que a família o suspeitasse, e foi só aos sete anos, quando, para me matricular na instrução primária, foi necessário apresentar certidão de nascimento, que a verdade saiu nua do poço burocrático, com grande indignação de meu pai, a quem, desde que se tinha mudado para Lisboa, a alcunha desgostava. Mas o pior de tudo foi quando, chamando-se ele unicamente José de Sousa, como ver se podia nos papéis, a Lei, severa, desconfiada, quis saber por que bulas tinha ele então um filho cujo nome completo era José de Sousa Saramago. Assim intimado, e para que tudo ficasse no próprio, no são e no honesto, meu pai não teve outro remédio que proceder a uma nova inscrição do seu nome, passando a chamar-se, ele tamb+e,, José se Sousa Saramago. Suponho que deverá ter sido este o único caso, na história da humanidade, em que foi o filho a dar o nome ao pai. Não nos serviu de muito, nem a nós nem a ela, porque meu pai, firme nas suas antipatias, sempre quis e conseguiu que o tratassem unicamente por Sousa." (pp.47-49)







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