terça-feira, 21 de março de 2023

Dia da Poesia: Um Poema que pudesse morrer



"Quem me dera ter um jardim e saber das plantas e pô-las a florir e aquilo resistir, ou saber as que são de inverno e as que são de verão e funcionar como um indutor de beleza, seguro e consequente, durante o ano inteiro. 
Quem me dera que se visse alguma beleza que eu criasse, que eu pudesse oferecer, quem me dera que fosse uma beleza de perfumar e estivesse diante da minha casa por onde passassem as pessoas a ficarem alegres por ali passarem. 
Quem me dera que os poemas fossem coisas de corolas e cores e perdurassem inverno e verão, perfumando diante da minha casa.

Um poema onde as abelhas pousassem. 

Que incrível seria se houvesse um poema que soubesse oferecer pólen às abelhas, garrido como se dissesse as coisas às cores, intenso como se tivesse fragrância, delicado como se pudesse morrer. 
Um poema que pudesse morrer. 
Um que criasse em nós a urgência de o nutrir, vigiar, cuidar com as forças todas para que perdurasse como milagre vivo por gerações e gerações. 
Prezamos sempre melhor o que é passível de ser perdido para sempre. 
Queria poemas assim, à medida de mim que me vou perdendo para sempre lentamente."

valter hugo mãe, Autobiografia imaginária: Um poema que pudesse morrer, JL, nº 1044



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Dia Mundial da Rádio

 Hoje é o Dia Mundial da Rádio. Desde 2011. Proclamado pela UNESCO (United Nations for Education Science and Culture Organization).

Para as comemorações deste ano a UNESCO propôs o tema "Rádio e Paz". Penso que atualmente qualquer comemoração pode e deve associar os esforços de paz às suas intenções, dado esta estar ameaçada simultaneamente em várias partes do mundo.

Rádio e Livros marcaram a minha infância e adolescência. Com estes veículos de cultura aprendi muitas palavras, adquiri conhecimentos, experimentei os primeiros dilemas...A rádio estava sempre a tocar lá em casa, acompanhava as mais diversas tarefas e desempenhava uma plêiade de funções que hoje vão cabendo a outros instrumentos, geringonças, aparelhos, meios e redes de comunicação. Tal como os Livros, a Rádio já viu o seu fim anunciado por vários comentadores que a consideram obsoleta e desnecessária num mundo da imagem. Mas a Rádio (tal como os Livros) tem sabido renovar-se, reinventar-se, reerguer-se e não perdeu nunca o seu lugar.

Na pesquisa que fiz para escrever estas palavras encontrei que está demonstrada "a importância da rádio enquanto meio de divulgação de informação a baixo custo. É, também, um meio de comunicação que consegue alcançar populações mais remotas e marginalizadas, garantindo o acesso à informação e ao ensino." https://eurocid.mne.gov.pt/eventos/dia-mundial-da-radio

A Rádio acompanha muitos contextos de trabalho e certamente muitos trajetos de automóvel e autocarro feitos diariamente por milhões de pessoas. Não obrigando a uma atenção tão completa como a televisão, as emissões de rádio servem frequentemente de moldura a importantes partes do dia dos cidadãos. Os serviços noticiosos da Rádio são, creio, a principal fonte de informação de grande parte do país. As informações sobre o trânsito e a metereologia são preciosas no planeamento do dia a dia de muita, muita gente.

Eu sou do tempo das radionovelas e do teatro radiofónico e nenhuma imagem "pronta a consumir" substitui as imagens que criávamos na nossa mente ao ouvir na Rádio as personagens de uma narrativa; tal como acontece com os Livros...

As campanhas eleitorais (os tempos de antena) e os debates de ideias em geral, também são uma fonte muito importante para a opinião pública.

É ainda num portal de informação ao cidadão da União Europeia que colhemos as seguintes palavras sobre Rádio e Democracia:  "Apesar da desigualdade existente em termos de desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, no acesso a novas tecnologias, a rádio continua a ser uma forma de acesso à informação acessível e alcançável, mesmo sem a existência de eletricidade. Assim, a rádio consegue assegurar direitos como a liberdade de expressão e de pensamento, promovendo a diversidade e suprimindo o fosso entre tecnologias tradicionais e avançadas. (...) Ao relatar e informar o público em geral, as estações de rádio moldam a opinião pública e traçam uma história que pode influenciar situações nacionais e internacionais e processos de tomada de decisão."

https://eurocid.mne.gov.pt/eventos/dia-mundial-da-radio

Reconhecendo a importância e força da Rádio nos processos de formação de opinião (logo de aprendizagem) o Centro Qualifica de Cister vem desenvolvendo desde 2021 uma parceria com a nossa rádio CisterFM. Durante um ano desenvolvemos o programa Ao Som das Palavras, que se destinava a estimular hábitos de leitura, lendo, de forma expressiva e contextualizada, pequenos textos literários como crónicas, contos e artigos de imprensa. Atualmente temos em curso o programa Vozes & Nozes sobre uma leitura do território do concelho de Alcobaça que incide na toponímia, nos paineis e percursos e em diversas características desta nossa terra tão versátil.

Como a Rádio oferece hoje um conjunto de produtos que nos permitem escolher e ouvir os programas ao nosso ritmo, os programas que referimos e que resultam desta parceria entre o Centro Qualifica de Cister e a CisterFM estão disponíveis em podcast no site da rádio e no Spotify. Para ouvir se quiser, quando quiser e ao ritmo que quiser.

Esperamos assim também poder contribuir para a Aprendizagem ao Longo da Vida nas ondas da Rádio e para a participação cidadã no nosso município.

Feliz Dia Mundial da Rádio!



sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Em Memória das Vítimas do Holocausto

 A 27 de janeiro de 1945 as tropas soviéticas libertaram o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, situado no sul da Polónia. Foi um dos passos importantes para o final da 2ª Guerra Mundial que termina a 8 de maio seguinte, na Europa, com a capitulação da Alemanha (tendo-se prolongado um pouco mais no Pacífico).

Após o restabelecimento da Paz forma-se a ONU (Organização das Nações Unidas) que tem como finalidade regular as relações internacionais e zelar pela paz no mundo.

Foi este organismo que em 10 de dezembro de 1948 aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Em datas consideradas significativas, assinala Dias Internacionais, comemorativos ou para chamar a atenção para questões importantes que afetam a Humanidade.

Em 2005, pela resolução 60/7 da 42º sessão plenária da Assembleia da ONU, foi declrado o dia 27 de janeiro como o Dia em Memória das Vítimas do Holocausto.

O termo Holocausto deriva das palavras gregas "Holo" (todo) e "Caustos" (Queimado). Inicialmente este termo aplicava-se a rituais religiosos em que as oferendas (que poderiam ser animais) eram queimados. Estava muito associado a rituais do povo judeu, o primeiro povo monoteísta de que há memória, cuja história se encontra narrada no Antigo Testamento da Bíblia, que corresponde à Torah, livro sagrado para os Judeus.

Nos tempos modernos a palavra designa o genocídio (eliminação de todos os elementos de um povo) do povo judaico levado a cabo pelos nazis, antes e durante a 2ª guerra mundial (1939-45).

O povo judeu é também designado hebreu ou semita: palavra que provém do nome Sem, um dos filhos de Noé.

O antissemitismo (ódio e perseguição aos judeus) radica numa ideia muito antiga de que seria este povo o culpado pela morte de Jesus Cristo. Durante a Idade Média os judeus eram frequentemente culpados por vários males que se viviam (como as pestes) e por várias vezes foram organizadas caçadas e matanças sistemáticas de membros deste povo, para além de toda a perseguição que sofreram por parte do Tribunal da Inquisição, que só é extinto no séc. XIX.

Na sequência da derrota na 1ª Guerra Mundial (1914-1918) e da crise económica e social que se lhe seguiu surge o Nazismo na Alemanha. O Partido Nazi, fundado por Adolf Hitler em 1919, tinha uma ideologia nacionalista, racista e antissemita. Ao tornar-se líder da Alemanha, Adolf Hitler empreende uma perseguição aos judeus, que visava impedi-los de participar na sociedade, confisscar-lhes os bens e, em muitos casos, pura e simplesmente elimina-los, em favor de uma purificação da raça. Os Nazis chamavam a todo este procedimento "a solução final para a questão judaica".

Entre 1933 e 1939, o Partido Nazi, aliado a Agências Governamentais e aos Bancos, obrigou ao afastamento dos judeus de toda a vida económica. Os indivíduos considerados não arianos eram destituídos dos postos nos serviços públicos, as empresas judaicas foram fechadas ou vendidas por um preço inferior ao razoável e entregues a outras companhias que eram pertença ou administradas por não-judeus. Neste processo de "arianização", as empresas e os negócios dos Judeus transitaram para donos germânicos, com as poupanças e lucros destas vendas "amealhados" pelos hebreus a serem também abrangidos por pesadas taxas especiais. Em novembro de 1938, o assassinato de um diplomata alemão em Paris, perpetrado por um jovem judeu, motivou o incêndio de todas as sinagogas na Alemanha, bem como a detenção de centenas de elementos judaicos e a destruição de muitas montras das suas lojas, numa noite conhecida como a Kristallnacht. Esta noite seria o aviso para os Judeus da Alemanha e da Áustria emigrarem. Algumas centenas de milhares de pessoas procuraram refugiar-se noutros países, mas um considerável número de judeus, sobretudo os mais velhos e os mais pobres, permaneceram na Alemanha.

Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, o exército alemão ocupou a parte ocidental da Polónia e assim passou a exercer o seu domínio sobre mais 2 milhões de judeus, que foram atingidos por restrições ainda mais rígidas do que as dos seus congéneres alemães. Os Judeus polacos foram encerrados em ghettos, limitados por arame farpado, chefiados por um conselho responsável pelo alojamento, condições sanitárias e  atividades produtivas. Uma rede de mais de quarenta mil instalações na Alemanha e nos territórios ocupados pelos nazis foi utilizada para concentrar, manter, explorar e matar judeus e outras vítimas. Para além dos judeus (principal alvo dos nazis) foram também aprisionados e eliminados ciganos, polacos, comunistas, homossexuais, prisioneiros de guerra soviéticos, testemunhas de Jeová e deficientes físicos e mentais. Todos aqueles considerados impuros e/ou não úteis à sociedade.

Na sequência do final da 2ª Guerra Mundial e, de certa forma como compensação ao povo judeu por tudo o que passou nesse processo, foi fundado o Estado de Israel, na Palestina (local de onde seria originário, segundo a tradição bíblica, este povo).

A formação do estado de Israel, em 1948 (declarado a 14 de maio) na Palestina não foi pacífica e ainda atualmente é uma zona de conflitos frequentes. Uma das principais cidades é Jerusalém, cidade sagrada para três religiões (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo). Isto vem criar muitos problemas de índole religiosa, a juntar aos problemas políticos e económicos da formação de um Estado no séc. XX num território rico em petróleo e numa zona de conflito permanente desde a Antiguidade.


A ideologia nazi é antidemocrática, porque é racista, afirma a desigualdade dos indivíduos e, num total desrespeito pela vida humana, considera a limpeza étnica: a eliminação de todosos que considera impuros. No entanto existe atualmente um movimento conhecido como "neonazismo" por procurar recuperar todas as teorias que causaram a guerra e o holocausto.

Daí a importância de recordar o Holocausto: esta memória tem a função de homenagear as vítimas, mas, sobretudo de nos manter alerta para que não deixemos que nada de semelhante possa acontecer de novo.

Numa atualidade marcada por conflitos armados e por crises económicas e humanitárias, numa Europa mairotariamente democrática, que deposita nos seus cidadãos a responsabilidade de decidir de forma consciente e de agir na sociedade de forma informada, é urgente não deixar esquecer para não deixar voltar a acontecer. Conhecer a História para defendermos os valores em que acreditamos, os valores de uma Cidadania Democrática, de um regime ético e político que assenta na participação dos cidadãos, no respeito pela expressão da sua vontade: nas eleições, nas manifestações, no debate de opiniões, nas petições...Enfim, na ação informada e implicada dos Cidadãos. 

Porque a Cidadania é sobretudo Participação!




segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Liberdade, Fiabilidade, Responsabilidade

 Hoje em dia navegamos muito ao sabor dos ventos e correntes das redes sociais. Há um primeiro 'post' de que nem sabemos bem a origem e, minutos depois, por redes do mundo inteiro, a informação foi difundida, sem ser analisada ou verificada a sua veracidade e fiabilidade.

Navego nas redes sociais, como toda a gente (atrevo-me a usar esta generalização, apesar de chamar muitas vezes a atenção para a injustiça das generalizações) e hoje deparo-me com uma profusão de publicações sobre o Dia Mundial da Liberdade. 

Procuro a sua origem. Dizem as várias publicações que encontro (que afinal parece que são todas a replicação de uma) que hoje é o Dia Mundial da Liberdade, definido pela ONU e difundido pela UNESCO. Que ótimo, penso, vou aproveitar para escrever algo do tanto que deste tema me interessa para a formação de Cidadania. Vamos então ver como, quando e porquê, considerou a ONU (Organização das Nações Unidas) este dia como o Dia Mundial da Liberdade?

No site oficial da ONU não existe nada sobre isto. Fala do Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, que se definiu como sendo o dia 3 de maio. Estranho...Depois comecei a pensar que a designação "dia mundial" é de desconfiar, pois, dada a dificuldade de todo o mundo se por de acordo sobre determinados assuntos (devido a diferenças culturais, religiosas, de agenda política, etc) é mais comum designar-se uma data como "dia internacional". Será verdade, pois são vários os países que a comemoram (normalmente os países membros da ONU) e menos arrogante, abandonando a pretensão de ser mundial. Aprendi também que há vários dias que se diziam por cá mundiais (por exemplo, o Dia Mundial da Criança) e que o não são, tendo vindo a encontrar a mesma data comemorada em dias diferentes, conforme os países: neste caso o Dia da Criança que se comemora em Portugal a 1 de junho é comemorado no Brasil a 12 de outubro.

Pesquiso, pesquiso e encontro então a possível fonte que jorrou a informação de hoje nas redes, mais exatamente no Facebook, que foi onde eu vi e não quero generalizar: calendarr.com. Esta página pode depois adaptar-se a cada país, selecionando o país pretendido numa lista de países. Selecionei, obviamente Portugal, com o tema pesquisado e surge o seguinte texto:

"O Dia Mundial da Liberdade celebra-se a 23 de janeiro.

Em Portugal o Dia da Liberdade comemora-se a 25 de abril, mas a data internacional para celebrar a liberdade calha no calendário a 23 de janeiro. A data foi criada pela ONU e proclamada pela UNESCO.

A liberdade é um direito de todos os seres humanos para realizarem as suas próprias escolhas, para traçarem o seu futuro e determinarem as suas opções de vida.

Liberdade na Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos contempla a liberdade no Artigo 1.º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” (...) "  https://www.calendarr.com/portugal/dia-mundial-da-liberdade/

Na realidade, quando se indica uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas costuma indicar-se a data e o nº da resolução. Não consegui encontrar nada disso e por isso desconfio, agora, da veracidade desta informação, da fiabilidade desta página de internet e da capacidade analítica de todos os que difundiram a informação.

Mas apesar de tudo isto resolvi não perder a oportunidade de celebrar a Liberdade, aproveitando para incentivar o uso do espírito crítico na difusão de informação. O facto de termos muita (não toda!) a informação disponível nem sempre quer dizer que essa informação corresponda necessariamente a conhecimento, se a usarmos de forma automática, sem a verificarmos e termos a certeza daquilo que estamos a afirmar.

Gosto muito de frisar que Liberdade rima com Responsabilidade e essa é a forma como a informação (livre) deve ser usada em Democracia, num verdadeiro exercício de Cidadania.

Já agora aproveito pata divulgar as páginas fiáveis para procurar os dias designados pela ONU: 

    em português: https://unric.org/pt/

    em inglês: https://www.un.org/en/

Boas pesquisas!  Boas aprendizagens!



 

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Como o Nobel nobilita

 No passado dia 16 passaram 100 anos desde o nascimento do escritor José Saramago (que faleceu em 2010).

Todas as instituições da cultura (como Escolas, Bibliotecas e Universidades) assinalaram de alguma maneira o facto. Algumas houve que durante todo o ano assinalaram o Centenário de José Saramago. Houve lançamentos de livros, exposições, conferências e muitas leituras, estas feitas por pessoas que, pelo seu gosto literário ou forma de escrever, se intitulam "saramaguianos".

Haverá quem se interrogue? Mas, porque mereceu este escritor uma atenção tão grande depois da sua morte, mas ainda relativamente perto da sua vida?

José Saramago recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1998! 

Talvez seja importante esclarecer o que é o prémio Nobel: É um prémio instituído pelo sueco Alfred Nobel, no seu testamento, conhecido na data da sua morte em 1896.

Alfred Nobel era riquíssimo, devidos aos seus investimentos e às suas descobertas e invenções, a mais conhecidas das quais é a dinamite.

Foi criada uma Fundação para administrar a fortuna, alimentando o seu crescimento que permite a concessão dos prémios Nobel (nas categorias de Química, Literatura, Paz, Física, Medicina e Economia) desde 1901. Cada um dos escolhidos recebe uma medalha de ouro, um diploma e um valor em dinheiro, que não é fixo, mas cujo valor excede o milhão de dólares. O prémio é concedido a um cientista ou autor vivo e refere-se a uma descoberta específica ou ao conjunto do seu trabalho. As cerimónias são seguidas em todo o mundo com muito interesse e a atribuição do prémio Nobel torna-se numa distinção importantíssima, não só para o distinguido, como para o país de origem (e em certos casos para o país de acolhimento) dessa personalidade.

Assim, a atribuição do prémio Nobel da Literatura a José Saramago em 1998 tornou-se num marco para o escritor, para Portugal (onde nasceu e viveu a maior parte da sua vida) e para Espanha, país de origem da sua esposa, Pilar del Rio, e no qual viveu até à sua morte.

Num país de escritores e poetas como é Portugal, Saramago é o único que até agora recebeu o Prémio Nobel da Literatura, o que o torna Maior, Nobre entre os escritores de todos os países e entre todos os portugueses.

De origens humildes, natural de uma pequena aldeia do Ribatejo, Saramago teve de crescer intelectualmente sozinho e só já tarde na vida se tornou escritor. Mas deixou-nos uma vasta obra que compreende romances, ensaios, poemas, crónicas, diários e peças de teatro. A sua obra tem inspirado muitas outras artes como dança, ópera, cinema e teatro, entre outras.

Foi criada uma Fundação José Saramago (em 2007), entre Portugal e Espanha, com espaços visitáveis em ambos os países, que é neste momento dirigida pela viúva de Saramago: Pilar del Rio.

A obra mais conhecida do escritor, que tem sido leitura obrigatória nas escolas portuguesas é O Memorial do Convento, um romance publicado em 1982, que se reporta à construção do Convento de Mafra no séc. XVIII. Recorde-se que este monumento foi declarado pela UNESCO Património da Humanidade em 2019.

Homenagear um escritor sem ler algumas das suas palavras, será sempre uma homenagem incompleta e injusta.

Convidando-vos a frazer uma pesquisa sobre a sua obra, aqui fica então um extrato de As Pequenas Memórias, um livro simples, em estilo autobiográfico, que nos remete para uma memória do escritor quando era ainda, apenas, uma criança:

"Contei noutro lugar como e porquê me chamo Saramago. Que esse Saramago não era um apelido do lado paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Que indo o meu pai a declarar no Registo Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o funcionário (chamava-se le Silvino) estava bêbado (por despeito, disso o acusaria sempre meu pai), e que, sob os efeitos do álcool e sem que ninguém se tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu, por sua conta e risco, acrescentar Saramago ao lacónico José de Sousa que meu pai pretendia que eu fosse. E que, desta maneira, graças a uma intervenção por todas as mostras divina, refiro-me, claro está, a Baco, deus do vinho e daqueles que se excedem a bebê-lo, não precisei de inventar um pseudónimo para, futuro havendo, assinar os meus livros. Sorte, grande sorte minha, foi nõ ter nascido em qualquer das famílias da Azinhaga que, naquele tempo e por muitos anos mais, tiveram de arrastar as obscenas alcunhas de Pichatada, Curroto ou Caralhana. Entrei na vida marcado com este apelido de Saramagosem que a família o suspeitasse, e foi só aos sete anos, quando, para me matricular na instrução primária, foi necessário apresentar certidão de nascimento, que a verdade saiu nua do poço burocrático, com grande indignação de meu pai, a quem, desde que se tinha mudado para Lisboa, a alcunha desgostava. Mas o pior de tudo foi quando, chamando-se ele unicamente José de Sousa, como ver se podia nos papéis, a Lei, severa, desconfiada, quis saber por que bulas tinha ele então um filho cujo nome completo era José de Sousa Saramago. Assim intimado, e para que tudo ficasse no próprio, no são e no honesto, meu pai não teve outro remédio que proceder a uma nova inscrição do seu nome, passando a chamar-se, ele tamb+e,, José se Sousa Saramago. Suponho que deverá ter sido este o único caso, na história da humanidade, em que foi o filho a dar o nome ao pai. Não nos serviu de muito, nem a nós nem a ela, porque meu pai, firme nas suas antipatias, sempre quis e conseguiu que o tratassem unicamente por Sousa." (pp.47-49)







domingo, 13 de novembro de 2022

S. Martinho: do verão e da vila


Agora que está a desvanecer-se o "verão de S. Martinho" achámos por bem falar de uma freguesia do nosso concelho que tem o nome do santo que se celebrou por estes dias.

S. Martinho do Porto, freguesia do concelho de Alcobaça, conhecida pela sua linda baía (a concha de S. Martinho) tem uma história naval, recheada de comércio e construção de navios, que é hoje difícil de vislumbrar.


O nome de S. Martinho remonta ao século XII quando parece que se terá fixado naquele lugar um monge devoto de S. Martinho: aquele da lenda da capa que se relaciona com o breve "verão".

Encontramos a primeira referência ao lugar com o nome S. Martinho num documento de Frei Estevão Martins, então abade do Mosteiro de Alcobaça, que é uma espécie de foral (reinava então D. Afonso III) que reconhece a importância do lugar. Era então o porto de escoamento dos produtos dos Coutos de Alcobaça, administrados pelos monges.

Nos séculos XV e XVI a importância do lugar é cada vez maior, como se verifica pelos forais outorgados pelo Cardeal D. Afonso e pelo rei D. Manuel.

Em 1527, por ordem de D. João III, é elevada a sede de concelho, com justiça própria. A construção naval era próspera: ao que consta algumas das naus da expedição de Alcácer Quibir terão sido aqui feitas. E assim continuou no século seguinte, em que estão documentados barcos importantes aqui fabricados. 

Mas o açoreamento da baía acabou por terminar com essa indústria, não permitindo a navegação a navios de grande porte.

Nos meados do séc. XIX S. Martinho era uma vila pequena e pobre cujo movimento do porto já nada tinha de notável e a vila acabou por ser integrada mo concelho de Alcobaça durante o reinado de D. Pedro V. Teve ainda um breve período em que esteve inserida no concelho de Caldas da Rainha, mas retornou a Alcobaça ainda no séc. XIX, para se tornar uma das mais belas estâncias balneares desde o início do séc.XX, em que muito se difundiu o gosto pela vida ao ar livre.

Assim, já sabemos a origem do nome de S. Martinho (por causa do monge devoto do Santos) e do Porto, devido ao importante porto de mar e estaleiro de construção naval que aqui existiu em tempos de mares mais fundos, antes do açoreamento da baía: a bela concha.

A Igreja Matriz, na velha vila de S. Martinho, lá em cima, foi construída no séc. XVIII e evoca o milagre do Santo: lá está o grande quadro com o cavaleiro a dividir o seu manto. Mas a devoção mais visível (com uma grande festa a 13 de junho) dirige-se a Santo António, cuja pequena capela vigia lá de cima o mar e norteava as preces dos pescadores. Há também uma lenda dedicada a esta devoção: A lenda do lago. Diz-se que num dia em que o mar se encapelou pondo em risco a vida dos pescadores de um barco que estava ao largo, Santo António desceu da sua capela e transformou o mar em lago, salvando a vida dos pescadores.


E dos santos e destas tradições se devia falar noutros tempos em torno das fogueiras em que se assavam os porcos e as castanhas, tudo regado a água pé. Lá diz o ditado: No São Martinho prova o teu vinho.








segunda-feira, 31 de outubro de 2022

O início, num dia cheio de tradições

 Fim de Outubro - Início de um novo projeto: Este blogue

A data de 31 de outubro está relacionada com muitas tradições, algumas de origem tão longínqua que se perderam no tempo.

Devido ao poder que hoje tem a indústria cinematográfica americana quase todos sabemos que esta noite se comemora o "Halloween" ou Dia das Bruxas.

Na realidade o nome Halloween vem da contração da expressão All Hallows'Eve (ou seja, véspera de Todos os Santos), en que se assinalam festas religiosas relacionadas com os ancestrais da família, com os que já partiram.

Entre o dia 31 de outubro e o dia 2 de novembro, em diversas tradições culturais, se realizam festas e rituais relacionados com um certo tempo especial de regeneração da terra (o início do frio, do recolhimento) e um tempo mágico de contacto entre o mundo dos vivos e dos mortos. Em diversas culturas se acredita tradicionalmente que, nestas datas, os mortos são autorizados a visitar os seus familiares ainda vivos, ou que é um tempo de os espíritos andarem à solta. Daí o desenvolvimento de festas relacionadas com esqueletos, bruxas e luzes difusas.

Estas festividades têm raízes "no fundo do tempo", nos cultos da natureza, anteriores às principais religiões que hoje conhecemos. Assim estão documentadas as tradições muito antigas como as celtas do Samhain ou as ameríndias do Dia de los Muertos.

Com a expansão da religião católica, a maioria destas tradições foram cristianizadas e assim encontramos em Portugal o peditório do Pão por Deus no dia 1 de novembro, dia de todos os santos e a romagem aos cemitérios no dia 2 de novembro, dia dos fiéis defuntos. 

Dada a sua importância, algumas destas festividades foram classificadas como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO.

Na sociedade globalizada de hoje as várias tradições misturam-se, sendo frequente que os convivas desta festa não façam a mínima ideia do que estão a festejar ou que misturem símbolos e rituais diversos, como as crianças que, vestidas de esqueletos ou bruxas pedem com o seu ar inocente "Pão por Deus".

Há muito de indústria nisto tudo - os fatos e os doces vendem-se mais por esta altura - mas, com consciência disso ou sem ela, estamos a continuar algumas das mais antigas tradições da Humanidade que assinalam um momento de viragem que anualmente se repete na terra: o fim de um tempo mais ameno e o início da época do frio, da escassez de alimento, de recolhimento, da queda das folhas, dos galhos nus das árvores...que mais tarde renascerão em tempos mais luminosos, que apelam a outros rittuais mais coloridos e expansivos.

Seja como for foi este o dia que escolhemos para lançar este nosso projeto que queremos seja coletivo, feito de leituras, interpretações e interações, em todos os temas que interessem à educação de adultos neste território específico de Alcobaça, ou terras de Cister.

Bem vindos! 

Gratos por vos termos connosco.

Dia da Poesia: Um Poema que pudesse morrer

"Quem me dera ter um jardim e saber das plantas e pô-las a florir e aquilo resistir, ou saber as que são de inverno e as que são de ver...